1 de out. de 2017

O telefone, a flor de lótus e o chinelo.

Não sei como começar este post.
Já apaguei. Reescrevi. Apaguei de novo.

Como colocar em palavras aquilo que vivemos e sentimos na pele, com o coração? - fato é que este post nasce para registro, aqui, de uma memória que não se pode apagar. Um post para renovar as esperanças, um post que fará reflexão - que pode ser profunda ou não - só depende de você.

Acontece que essa história também é sua. Você faz parte dessa história.

Fato também é que algumas pessoas pediram esse post - "Tânia, por favor, escreva sobre isso".

Então, aqui estou.












Era um domingo, aparentemente como outro qualquer. Silencioso, tranquilo, quente; nostálgico  - um dia de energia de domingo. Chegamos na casa, território desconhecido, e fazia paz. Uma casa com energia de criança; um lar.

da abertura da cozinha para sala, apresentei a Lola e o Dôdu para eles. Olhos atentos acompanhavam meus movimentos, do jardim, da ponte, do sol - céu e balão; fizemos a contação de história da Lola, provavelmente a centésima vez que eu conto essa história que tanto nos alimenta.



Tudo corria bem. o som, além da trilha sonora, era som de criança brincante.
e então, um zum zum zum.

Alguém - que não me lembro quem - chegou em um dos meus ouvidos e disse: uma das meninas aqui está grávida. Silêncio.

Tá. ok. processei o pensamento. as meninas ali tinham até 16 anos no máximo; tá. ok. seguimos.

Nossos olhos, meus e de emika, observam uma das meninas em silêncio. A mais silenciosa de todas. Serena. Tranquila. Absolutamente envolvida no que ela fazia. Mergulhada. Comprometida, ela sequer nota nossa presença pra lá e pra cá, dialogando, ouvindo, falando, sorrindo.

No fim, a revelação. Uma barriga imensa perante o corpo franzino, ela estava prestes a parir.
Dali, um diálogo com a responsável pela casa, que surge de maneira muito natural; comentei sobre o que nossa experiência nos permitiu e ensinou a ver na Lola dela - coisa até que muito superficial, uma vez que não dialogamos com a pequena mãe em formação.

Da Lola, uma flor. e, ao lado, a palavra: florir.

Do seu centro, a renovação que nasce, renasce, surge, cria. Um símbolo de delicadeza, força, amor. A consciência em si; a flor de ouro. A flor, que nasce de um chão árido, pontudo, talvez até dolorido. Mas lá está a flor. A vida. Em força. Em Despertar. Em florescer. A esperança em si.

Da cabeça, um céu - um universo em expansão.



 "A flor de ouro é a luz, e a luz do céu é o Tao. A flor de ouro é um símbolo mandálico que já tenho encontrado muitas vezes nos desenhos de meus pacientes. Ela é desenhada a modo de um ornamento geometricamente ordenado, ou então como uma flor crescendo da planta. Esta última, na maioria dos casos, é uma formação que irrompe do fundo da obscuridade, em cores luminosas e incandescentes, desabrochando no alto sua flor de luz." (JUNG, C.G. & WILHELM R. 1998: p.18)
"Nosso texto começa deste modo: "O que existe por si mesmo se chama Tao'. E o Hui Ming Ging começa pelas seguintes palavras: "O segredo mais sutil do Tao é a essência e a vida". É uma característica do espírito ocidental o fato de não possuir conceito algum para traduzir a palavra Tao. Em chinês, este é representado por dois sinais: "cabeça" e "caminhar". WILHELM traduz Tao por "sentido". Outros autores traduzem-no por "caminho", "providência" e os jesuítas, por "Deus". Isto já mostra a dificuldade a que aludimos. "Cabeça" pode ser entendido como algo relativo à consciência, e "caminhar" como "ir, deixando caminho para trás", o que corresponde à ideia de "ir conscientemente", ou seguir o "caminho consciente". Assim, emprega-se como sinônimo do Tao a "luz do céu" que, como "coração celeste", "habita entre os olhos". Essência e vida estão contidas na "luz do céu" e constituem, para LIU HUA YANG, os segredos mais importantes do Tao. "Luz" é o equivalente simbólico da consciência, e a essência desta última pode ser expressada por analogias referentes à luz." (JUNG, C.G. & WILHELM R. 1998: p.17)

Interpretação nossa que foi meticulosamente anotada. Os olhos atentos e amorosos da Gi, responsável pelas crianças naquele momento, também nos deu esperança: não é sempre que a instituição quer saber o que a gente percebe|vê|sente - uma vez que a proposta da nossa ação é terapêutica.



Dessa mesma conversa, uma pergunta: vocês estão precisando de algo específico? E a resposta - que para nós vem sempre de forma inusitada - sim; chinelos. Mais especificamente chinelos de borracha fechados, pois eles servem tanto no frio como no calor e duram mais.

Eu, que nunca - nem sequer me imaginei - de "Crocs" nos pés, já visualizei a Lola com seu par de Crocs vermelho. Pedi que a Gi entrasse em contato comigo - na certeza absoluta de que vamos conseguir facilmente vestir esses pequenos (e grandes) pés que tanto precisam de carinho.

Uma semana se passou. Nada. Mais alguns dias. Nada.
Da gente, sempre fica aquela ideia "se ela precisar ela vai me procurar", pensamento tão genuinamente relacionado à nossa cultura popular. Até que, algo aconteceu dentro de mim; e eu insisti. E olha - te garanto - não foi nada fácil conseguir o telefone daquela casa que nos recebeu com tanto amor.

Consegui. Liguei. Atende uma outra pessoa, que eu carinhosamente confundi com a Gi, que prometeu me ligar logo no dia seguinte. "É a Tânia, Lola. Posso saber porque raios a senhorita ainda não me ligou?" - e do outro lado a resposta: "E eu tinha que te ligar?". Caímos na gargalhada, as duas. A 'Gi', do outro lado da linha era outra pessoa - a diretora da casa, que não estava presente no dia da ação.

Da risada, ela emendou: "estamos aqui, sentindo muita gratidão por vocês e sua Lola."
Imediatamente liguei o telefone no viva voz e chamei emika. E então, recebemos como que luz, uma mensagem. A criança nasceu dias depois da Lola. E a nossa conversa, nossa percepção e interpretação da Lola foi peça fundamental em um processo: o processo de permitir que essa mãe ficasse com seu bebê. Processo que corria - e nós não sabíamos - e que vinha sendo trabalhado pela equipe de profissionais da instituição. A Juíza viu a Lola que ela fez e entendeu que ela estava preparada para seguir com seu bebê. A Lola dela permitiu-lhe seu papel naquela história, o de ser mãe.

Dos chinelos, antes mesmo de lançarmos essa campanha, já temos 19 dos 23. Clientes e amigos da Lola já se mobilizaram. Portanto, ainda precisamos de 4 chinelos de borracha fechados.



Além disso, já nos solicitaram a possibilidade e oportunidade de presentear esta mãe com seu bebê, que seguem juntos na casa, esse lar que tem atmosfera de puro amor. Então, se você quiser presentear uma das crianças com o necessitado chinelo, escreve pra gente - assim como compartilhar carinho com as crianças, as cuidadoras, essa mãe e seu bebê.

E você? O que você tem a ver com tudo isso?
Essa grande atmosfera de gratidão e amor só foi possível de acontecer por conta da sua compra no nosso ateliê.


Seguimos, na certeza do caminho e com muita luz no coração. Gratidão à você, à Mônica (nossa cliente que é voluntária neste Lar e nos convidou para realizarmos nossa ação de doação lá), à Thati cliente e amiga da Lola que nos acompanhou - e acompanha - nesta história, às cuidadoras, à todas as crianças que cuidaram das suas Lolas e de nós, à esta mãe por nos possibilitar esta vivência, à este bebê que nasce como uma flor iluminando todos nós, à essa juíza, por sua imensa sensibilidade e à Gi tão valiosa e forte e cheia de vida.

Com amor,
tânia piloto


[...com Lola é um Negócio Social. Nossa missão é ressignificar vidas. A sua. As das crianças e jovens que tiveram seus direitos violados e/ou estão em situação de vulnerabilidade aparente. Para cada produto que você compra, nós doamos uma Lola ou Dôdu com ação de arteterapia vivencial. Desde 2009.]


JUNG, C. G., WILHELM, R. O Segredo da Flor de Ouro. Petrópolis: Vozes, 1998.




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